segunda-feira, 31 de março de 2008

Minimal Show, Artaud, o Teatro e a Peste

Sexta-feira foi para o meu grupo de teatro, mais um dia de "Minimal Show", desta vez no auditório Eurico Melo em Santo Tirso. O público esteve em bom número e deu-nos boas reacções. Quanto a nós, penso que estivemos bem, fazemos esta peça com gozo e paixão e penso que isso se nota em palco. É uma peça muito física, muito exigente fisicamente de forma a parecermos uns desenhos animados vivos. E o teatro é muito disso: a invenção e reinvenção do corpo. Espinosa por exemplo perguntava-se muito: "o que pode um corpo?" Já Artaud dizia que o actor é "intérprete sagrado das ocultas virtualidades do corpo"

Durante estes dias andei também inspirado por "Eu, Antonin Artaud", livro de textos vários deste homem multi-facetado que foi actor, encenador, maluco, pintor e poeta, que esteve na génese do movimento surrealista. Para Artaud, o corpo é algo de mágico e de transcendente: a eternidade é visceral e corpórea, a morte foi inventada e o teatro é a revolução do corpo.
No seu texto "O teatro e a peste", Artaud estabelece a relação entre estes dois elementos:

"A peste apodera-se de imagens que dormem, de uma desordem latente, e de repente empurra-as até aos gestos mais extremos; e o teatro, também ele, se apodera de gestos e os empurra até ficarem fora de si: tal como a peste, refaz a cadeia entre o que é e o que não é, entre a virtualidade do possível e o que existe na natureza materializada. (...)

Como a peste, o teatro é uma crise que se desenlaça com a morte ou com a cura. E a peste é um mal superior porque é uma crise completa, e depois dela nada mais resta a não ser a morte ou uma extrema purificação. De igual forma, o teatro é um mal porque equilíbrio supremo, não adquirível sem destruição. Convida o espírito a um delírio que lhe exalta as energias; (...) levando os homens a verem-se como são, faz cair a máscara, põe à mostra a mentira, a frouxidão, a baixeza e a hipocrisia; sacode a inércia asfixiante da matéria, que chega às mais claras certezas dos sentidos; e revelando a colectividades o seu poder sombrio, a sua força oculta, convida-as a assumir perante o destino uma atitude heróica e superior que, sem isto, nunca teriam tido."

Artaud coloca no fim o problema de saber se "neste mundo que escorrega, suicida sem dar por isso, será encontrado um núcleo de homens capazes de impor esta noção superior do teatro que a todos nós restituirá o equivalente natural e mágico dos dogmas em que deixámos acreditar"

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