Ekman é um perito no decifrar das emoções faciais. Tem uma perspectiva Darwinista do corpo humano segundo o qual, por exemplo as rugas que os velhos apresentam na cara e as suas feições gerais, dependem do total de movimentações habituais que esses velhos apresentaram na cara durante as suas vidas. Se eu sorrir toda a minha vida, no fim terei essa sorriso estampado, encrustado, sulcado, agarrado à minha cara. As emoções mudam-nos fisicamente. Tudo isto são coisas que são pacíficas actualmente do ponto de vista científico.
Mas quando um maluco e drogado encenador de teatro chamado Antoine Artaud no princípio do séc. XX diz que o teatro tem como fim modificar e recriar o corpo humano, e que a morte foi inventada, era razão para, como o fizeram, acharem que ele estava maluco e darem-lhe choques eléctricos, ou que era um grande poeta. De facto era-o, mas não só. Devemos revisitar Artaud e fazer-lhe uma revisão científica. Tal como aliás, ele o teria desejado:
"No teatro, poesia e ciência devem, de ora em diante, identificar-se. Toda a emoção tem bases orgânicas. A cultivar a sua emoção no seu corpo é que o actor volta a carregar a densidade voltaica. Saber-se de antemão em que pontos do corpo devemos tocar, é atirar o espectador aos transes mágicos. E desta preciosa espécie de ciência é que a poesia, no teatro, desde há muito se desabituou." Artaud
O teatro é a arte pela qual os actores acreditam na mentira que contam e executam levando o público a partilhar da ilusão e da magia do corpo. Porque as possibilidades do corpo excedem a imaginação e no entanto suportam-se em imaginário. No fundo da nossa carne está também lá o dilema da verdade e da mentira, que mais não é o dilema do eu e do que não é eu.
Tomemos isto de um ponto de vista muito materialista, muito físico: há o cérebro, mas o cérebro faz parte do sistemas nervoso que é enorme, tem nervos que se espalham por todo o corpo. E depois há o sistema imunitário com o qual mantém íntimas relações. A missão de um sistema imunitário é: destruir tudo o que não é "eu". Não é só o cérebro, esse calhau cinzento que nos dá identidade. Nossos sistemas imunitários também precisam de ter uma imagem daquilo que é eu e o que não é. Nosso sistema imunitário, o mesmo que nos protege de gripes, vírus e infecções, também tem memórias, que são muito mais duradouras. Essa dialéctica do que é e do que não é "eu", traduzida de forma muito simplista entre verdade e mentira, não é somente uma abstracção filosófica: está inscrita no nosso corpo, na própria carne, na matéria de que somos feitos. Isto é visível até por exemplo no nosso sentido de visão. Senão, vejamos o que diz o imunologista Gerald Calahan sobre isto:
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Ah, é verdade, o Artaud dizia que a morte foi inventada. Também nisto, é bem capaz de ter razão, segundo uma perspectiva muita larga da evolucionismo. Callahan fala-nos, neste excelente livro "Faith, Madness and Spontaneous Human Combustion", que as bactérias são imortais. Ou melhor, elas podem morrer, mas não morrem naturalmente, não tem a morte inscrita nos genes como nós. As bactérias são organismos mais básicos do que os seres humanos. Nalgum ponto da evolução, as regras de reprodução para a nossa espécie mudaram, de forma a que nossa espécie está sempre a renovar-se através da morte. Aliás nossas próprias células vão morrendo e renovando-se de tempos. O que fica é a imagem, esse molde e contra-molde de um eu e de um não eu. Desta natureza dialéctica do "eu" humano advém a angústia existencial do ser humano que, segundo Kierkegaard assume três variantes: Desespero da não consciência de possuir um eu, desespero em não querer ser um eu, e um terceiro que é o desespero de querer ser um eu.
Um comentário:
Pois foi, a morte foi inventada pela vida. É, por isso, que Artuad também diz que «sou um morto vivo, sou vivo sempre morto...».
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