sábado, 21 de fevereiro de 2009

DJ Estaline prepara golpe de estado

Hoje à noite o meu alter-ego DJ Estaline sobe à cabine de som do bar Carpe Diem em Santo Tirso para, em conjunto com o camarada Rabino (baterista dos Godot), dar ao povo rock antigo, rock moderno, pós-moderno, clássico, romântico e greco-romano. Serviço público! Música para o proletariado! Hasta la Revolución! Siempre!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Chestov: Apoteose do Desenraizamento

D.H. Lawrence diz que a cultura europeia penetrou nos russos como um vírus e que Chestov recebe-a como uma doença. Depois de ler All Things Are Possible de Chestov, aqui ficam algumas impressões (sim, fiquei realmente impressionado). All Things Are Possible no original chama-se Apotheosis of Groundlessness: An Attempt at Non-Dogmatic Thinking, que se pode traduzir por qualquer coisa como "A Apoteose do Desenraizamento: uma tentativa de pensamento não-dogmático". Chestov manda às urtigas todos os sistemas filosóficos e pensamento metodológico científico como limites à procura da verdade. A ideia é a de que, a partir do momento em os filósofos e epistemólogos tentam determinar à partida aquilo que é possível conhecer, estão na verdade a construir uma prisão para o pensamento. A ideia de sequência, fundamento da temporalidade, e tão cara à nossa razão, castra a imaginação e a possibilidade de aceder ao possível e ao impossível. Para Chestov, a razão é aquilo que nos faz prever o futuro, ou melhor, aquilo que engendra o futuro. É a razão, portanto, que nos traz decepções, na medida em que a vida decorre de forma a furtar-se sempre às nossas previsões. Assim, entre a vida e a razão, escolhendo a primeira não temos necessidade de prever e explicar e aceitamos o inalterável e inevitável como parte do jogo.
Chestov é perturbante. É semelhante à experiência de ser deitado fora de casa e viver ao relento. Zygmunt Bauman em "Modernidade e Ambivalência" referiu-se a Chestov desta forma:

"Chestov reagiu com um assalto frontal ao que era (como se dispôs a provar) um incurável paroquialismo da própria procura do absoluto em geral, e dos valores absolutamente superiores em particular. A procura pelos filósofos do sistema último, da ordem completa, da extirpação de todo o desconhecido e ingovernável deriva - declarou ele - da adoração de um terreno firme, de um lugar seguro e resulta na redução do infinito potencial humano." (Baumann)


O homem confortavelmente estabelecido diz: Como pode alguém viver sem a certeza do amanhã; como pode alguém dormir sem um tecto sobre a cabeça? Mas um acidente lança-o fora de sua casa e do seu lar. Tem forçosamente de dormir debaixo de uma sebe. Não consegue descansar, está cheio de medos. Pode haver feras selvagens, colegas vagabundos. Mas a longo prazo ele habitua-se. Confia a sua vida à contingência, vive a vida de vagabundo e dorme profundamente.
Lev Chestov

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Chestov: Todas as coisas são possíveis

Em Portugal, do existencialista russo Chestov (em inglês Shestov), apenas há uma edição em português: traduzida em 1960 pelo poeta Jorge de Sena, As Revelações da Morte, da editora Morais (que já não existe), é um livro que já desisti de procurar. Aproveitando a baixa da libra face ao dólar, adquiri na Amazon esta bela edição em inglês de All Things are Possible, com prefácio de D.H. Lawrence. Logo a primeira página do livro deixou-me de rastos:
Dei-me ao trabalho de fazer uma tradução para os que têm dificuldades com o Inglês:

As ruas obscuras da vida não oferecem as conveniências das vias públicas centrais: Nenhuma luz eléctrica, nem gás, nem sequer um lâmpada de querosene. Não há nenhum pavimento: O viajante tem que palmilhar o seu caminho na escuridão. Se precisa de uma luz, deve esperar por um trovão, ou então, por sabedoria primitiva, solta uma faísca de uma pedra. Num vislumbre verá contornos pouco familiares; e então, deve tentar lembrar-se daquilo que conseguiu ver, independentemente de a impressão ser verdadeira ou falsa. Pois ele não obterá outra luz facilmente, excepto se bater com a sua cabeça contra um muro, vendo faíscas dessa maneira. O que pode um miserável pedestre reunir em tais circunstâncias? Como podemos esperar dele um claro testemunho, ele cuja curiosidade (suponhamos a sua curiosidade assim tão forte) o levou a apalpar o seu caminho por entre as fronteiras da vida? Por que deveríamos tentar comparar os seus registos com aqueles dos viajantes de ruas brilhantes?

Lev Chestov

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Guitarristas de Esquerda


Albert King + Dick Dale

Doyle Bramhall II

O que têm em comum estes três senhores de guitarra na mão? Reparem nas imagens: são todos esquerdinos. Mas atenção! Não fizeram como Jimmy Hendrix, Kurt Cobain e a maioria dos guitarristas esquerdinos, trocando as cordas de sítio para as adaptar à sua esquerdice. Tocam a mesma guitarra com as cordas iguais às de uma guitarra normal de um dextro.

O primeiro, Albert King, foi uma lenda do Blues. Nasceu numa plantação de algodão em Indiana, Mississipi e tornou-se um dos grandes mestres do Blues de sempre. (Saquem aqui o álbum King of the Blues Guitar)

O segundo, Dick Dale, é considerado o pai do chamado "Surf Music", estilo de música que pretendeu exprimir o prazer do surf, que descende do rock'and'roll anos 50,mas com inovações introduzidas por Dick tais como a sua "guitarra molhada" e da introdução de sonoridades do Médio Oriente. É por demais conhecida a sua música "Misirlou" popularizada pelo filme Pulp Fiction de Tartantino (Saquem aqui a colectânea "King of the Surf Music" de Dick Dale)

Por último, o Terceiro, Doyle Bramhall II, é um talento recente na história do Blues e do Rock, descoberto por Eric Clapton. Tendo o acima referido Albert King como uma das suas maiores referências, fez colaborações com Clapton, B.B. King., entre outros. A sua carreira a solo começou recentemente, mas auguro-lhe um bom futuro. Para além de excelente guitarrista, tem uma voz portentosa. (Saquem aqui o álbum Welcome)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Psicanálise Chinesa, Zen e Lacan



Encontrei uma interessante entrevista com Michel Guibal, psicanalista francês que trabalha na china. Foi ele que analisou Huo Datong, o primeiro psicanalista lacaniano chinês, que é conhecido na China como o "Freud" chinês. Guibal mantém aliás uma página muito interessante sobre "Lacan e a China", de seu nome "Lacan et le monde Chinois". Nesta página encontram muita informação acerca das influências da psicanálise na cultura chinesa, influências chinesas na psicanálise ocidental, referências à China na obra de Freud e Lacan, referências a Lacan e Freud em autores Chineses e textos e informação sobre os índices de saúde mental na China. Ainda não vi tudo, até porque está em francês, que não é das minhas línguas fortes. Mas fiquei a saber, por exemplo, que os suicídios na China são um quarto de todos suicídios do mundo inteiro, que é o único país onde as mulheres se suicidam mais que os homens, sendo também a principal causa de morte dos chineses entre os 15 e os 34 anos.

Quanto á psicanálise na China, é curioso verificar o seu crescente sucesso nesta cultura milenar. Contudo, um dos entraves que se tem encontrado neste processo, tem a ver com a dificuldade em traduzir os textos de Freud e Lacan para a língua chinesa, dado que as estruturas da língua diferem extraordinariamente. Já o divulgador inglês do Zen, Alan Watts, referia que nas línguas ocidentais normalmente "as diferenças entre coisas e acções são claramente, se bem que nem sempre logicamente, distintas, mas um grande número de palavras chinesas são indistintamente utilizadas para substantivos e verbos - razão pela qual quem pensa em chinês terá pouca dificuldade em ver que os objectos são também acontecimentos, que o nosso mundo é mais um conjunto de processos do que de entidades."
Os próprios caracteres chineses, variam grandemente seu significado consoante o contexto em que estão inseridos. Aliás, Freud usou esta característica dos caracteres chineses para fazer uma analogia com a linguagem dos sonhos, precisamente no seu livro "A interpretação dos sonhos", no sentido de explicar que os elementos do sonho não podiam ser interpretados de forma isolada, mas sim no contexto e na sequência do resto do sonho. Assim sendo, as palavras de Lacan quando este diz "O inconsciente estrutura-se como linguagem", não se aplicam na perfeição à linguagem chinesa? Talvez então a dificuldade de traduzir as obras clássicas da psicanálise para o mandarim seja as potencialidades novas que esta oferece para traduzir o pensamento psicanalítico mais fielmentente até que as línguas de origem.

Referindo ainda Lacan, é importante lembrar que o primeiro seminário deste, acerca dos escritos técnicos de Freud, começa precisamente com a analogia entre o Psicanalista e o Mestre Zen, na medida em que o mestre Zen interrompe o silêncio com qualquer coisa, um sarcasmo, um pontapé. É assim que procede, na procura do sentido, um mestre budista, segundo a técnica zen . Cabe aos alunos, eles mesmos, procurar a resposta às suas próprias questões. O mestre não ensina ex-cathedra uma ciência já pronta, dá a resposta quando os alunos estão a ponto de encontrá-la.

Há aliás vários outors pontos de contacto entre a Psicanálise e o Budismo Zen, tais como a concepção do Eu, dos mecanismos de defesa, entre vários outros aspectos que são abordados neste artigo que vale a pena ler: "Lacan e a Arte Zen do Psicanalista" de André Camargo Costa

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Música Moderna: entre Eros e o Capital

Do the thing you wanna do, but from here, from the heart, the soul. Let me tell you something, i'm a blues player. I've never been a millionaire, but let me tell you something: I think I am! (...) If ya do the thing you love, you're rich, man!
Hubert Slim

My advice would be... to aspiring musicians: find a way to do what you love to do, because if you do, then it doesn't really matter if you get paid to do it or not. then you can have your life wrapped around it and work in a coffee shop. And then if you're lucky, maybe you can make a living with it. And if you're lucky and you work hard, maybe you can get a lot of money doing it, but if that's your goal, then you really shouldn't do it.
Dave Matthews

Vi este documentário excepcional sobre a indústria da música na américa: Before the Music Dies. Este documentário mostra-nos o culminar do processo de degradação da música americana por intermédio dos monopólios económicos das editoras e das rádios. Isto originou uma ditadura das playlists nas rádios e a imposição de fórmulas normativas empresarias na produção da música. Esta situação é visível no facto de a MTV nos últimos anos nos ter habituado ao mesmo tipo de música estereotipada, onde raparigas com caras de plástico e peitos grandes foram paulatinamente ocupando o lugar dos verdadeiros artistas.

A música americana esteve sempre ao longo da sua história ligada a movimentos de libertação social e política, desde os field hollers e as working songs dos escravos negros dos campos de algodão, passando pelo blues e o jazz do princípio do século XX, até ao rock da revolução sexual dos anos 60. Porém, a partir dos fins dos anos 70, tendo em conta que a música se havia tornado um negócio que movimenta milhões, começou a surgir a velha história que Marx conta, ou seja, uma classe burguesa a tomar conta das mais-valias desta produção, surgindo grandes editoras que progressivamente foram arrecadando os lucros da exploração dos artistas da música.

Há medida que o negócio da música se foi tornando uma verdadeira indústria que movimenta muito capital, a figura do agente musical, que inicialmente era alguém que promovia e geria as bandas numa perspectiva de servir a banda, passa ao longo dos anos a mudar para a figura de um empresário que tanto investe em petróleo, bananas, computadores ou discos de música consoante o que dita o mercado. As editoras passam então a funcionar numa lógica mercantilista, o que acaba por influenciar claramente a produção da música. A música passa a ser vista meramente como produto de consumo, passando esta a ser objecto de avaliação por parte de estudos de mercado para atingir determinadas fórmulas. Os talentos musicais que não se regem por tais fórmulas vão tendo cada vez mais dificuldades em ter apoios por parte das editoras.

Por fim chegam-se às famosas playlists, as listas das músicas que são dadas às rádios para estas passarem a troco de dinheiro. Aqui em Portugal vivemos há alguns anos segundo esta fórmula das playlists, que são nada mais nada menos do que uma ditadura do capital. Aqui está o segredo para a música das rádios ser tão má e repetitiva relativamente ao universo musical possível.

No entanto já se começam a ver sinais de uma revolução: começam a surgir pequenas editoras, feitas por gente do mundo musical, que dispensam perfeitamente as grandes editoras, pois gravar um disco nunca foi tão fácil como nos dias de hoje. E depois de gravada, o acesso à música nunca foi tão fácil como com a Internet. De facto as grandes editoras têm os seus dias contados, pois é insustentável pensar-se em fazer dinheiro com a venda de discos como se fez até hoje, na medida em que a Internet vem destruir o formato possível pela qual a música podia ser considerada propriedade privada (o disco).
Os artistas musicais para fazer dinheiro terão que fazê-lo a partir dos espectáculos ao vivo que dão.

No entanto, o verdadeiro músico, aquele que adora tocar ou cantar bela música, que toca com alma e coração e que ama aquilo que faz, não precisa de fazer dinheiro pois já é rico.
Vejam aqui o documentário Before The Music Dies: