sexta-feira, 6 de junho de 2008

Giorgio Agamben - Bartleby, Escrita da Potência

Li recentemente esta edição da Assírio e Alvim, Bartleby - Escrita da Potência, que contém um ensaio de Giorgio Agamben: "Bartleby, ou Da Contigência", seguido do próprio conto original Bartleby, da autoria de Herman Mellville.

Giorgio Agamben é um filósofo encantador que gosta sempre de tratar as suas ideias com referência a filósofos medievais e gregos, fazendo ligações inesperadas com o mundo de hoje.

Bartleby é um conto de contornos Kafkianos da autoria de Melville, editado pela primeira vez em 1853, e trata de um misterioso escriba de seu nome Bartleby. Trata-se de uma curiosa personagem que vem trabalhar para um escritório na feitura de cópias e que se recusa quer a verificar as cópias que faz, quer a fazer todo e qualquer serviço de escritório que não seja a cópia, repetindo a sua fórmula "I would prefer not to" com uma calma e frieza que deixa seu patrão exasperado. Posteriormente, o patrão descobre que Bartleby vive literalmente no escritório. Entretanto, Bartleby deixa de escrever, levando consigo o seu "I would prefer not to" até ao fim.

Giorgio Agamben começa por situar Bartleby numa constelação filosófica, começando com a comparação de Aristóteles de "noûs", o intelecto ou pensamento em potência, com uma tabuínha de escrever sobre o qual nada ainda está escrito.

Esta imagem da página em branco foi mais tarde usada por Locke, para definir a mente como sendo à partida, essa página em branco. Agamben refere que esta imagem tinha em si a possibilidade de um equívoco, o que terá contribuído para o seu sucesso: "A mente é, então, não uma coisa, mas um ser de pura potência e a imagem da tabuinha de escrever, sobre a qual nada ainda está escrito, serve precisamente para representar o modo de ser uma pura potência. Toda a potência de ser ou de fazer qualquer coisa é, de facto, para Aristóteles, sempre também potência de não ser ou de não fazer".

Refere ainda o fascínio de Deleuze pela fórmula de Bartleby "I prefer not to" que é definida como agramatical, daí o seu poder devastante: "a fórmula desune as palavras e as coisas, as palavras e as acções, mas também os actos linguísticos e as palavras: ela corta a linguagem de qualquer referência a si ou a outro" (Deleuze)

Agamben segue esta ideia de Deleuze, dizendo que esta fórmula "abre uma zona de indiscernibilidade entre o sim e o não, o preferível e o não preferido. Mas também, na perspectiva que aqui nos interessa, entre a potência de ser (ou de fazer) a potência de não ser (ou de não fazer)." (Agamben)

Agambem também se desdobra em considerações sobre a escrita como acto de criação, faz uma análise pormenorizada sobre os complexos fenómenos de causalidade envolvidos no acto da escrita, e do seu carácter de contigência, usando as mais diversas fontes como o Islão por exemplo. Agamben refere-se a Bartleby como experiência de verdade que é levada a cabo no sentido de levar a fundo a noção de potência no acto da escrita. Nesta "experiência de verdade" "quem se aventura, arrisca de facto, não tanto a verdade dos próprios enunciados quanto o próprio modo do seu existir e realiza, no âmbito da sua história subjectiva, uma mutação antropológica a seu modo tão decisiva quanto foi, para o primata, a libertação da mão na posição erecta, ou, para o réptil, a transformação dos membros anteriores que o mutou em pássaro". Giro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Você sabe onde tem disponível na Internet o "Giorgio Agamben - Bartleby, Escrita da Potência"? Li seu texto e me interesei. Esta semana li o Bartleby do Melville. Muito bom.
Obrigada
Tatiana