sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

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Vi um homem aproximar-se de mim. "Quem será?" pensei. Olhei e vi. Ele observou-me longamente, de cima a baixo. Eu esperava algo dele. Estava à espera de um determinado acontecimento que seria decisivo. Estava a espera de ver nele algo para que pudesse dar-lhe um nome, torná-lo familiar. Mas ele continuava a olhar-me. Vejo-o a olhar-me cada vez mais fundo e atentamente. Eis então que eu disse: "Eis um homem". De repente, sua postura alterou-se. Ergueu-se, pôs-se numa postura recta, séria, olhando displicentemente para os lados. Não fiz caso disso. Não me impressionou a reacção dele. No entanto, permanecia curioso em relação à sua conduta. Havia ali algo de misterioso. Disse-lhe então: "És um homem estranho". Então, ele fez uma cara de enjoado, meteu as mãos à cara e aninhou-se um pouco. Abaixei-me para o espreitar e então vi-o tirar lentamente a mão o que permitiu ver um sorriso diabólico na cara do homem. Estava com uma cara de quem sabe algo que nós não sabemos e tira gozo disso. Aquele sorriso de quem julga estar detentor do conteúdo inconsciente de outra pessoa e então, há uma satisfação secreta em nos apossarmos do outro desta maneira. Eu olho para aquele homem e penso, que mistérios obscenos ele estará congeminando sobre mim. Que homem absurdo. Rio-me. Ele também se ri. Rimo-nos os dois. Eu rio-me daquilo que eu sei dele mas que ele não sabe. Ele ri-se de algo que sabe de mim mas eu não sei. E rimo-nos, não um do outro, mas sim cada um de seu outro particular. Eu paro de rir. Olho fixamente para o homem. Levanto o braço e ele levanta também. Aproximamos as mãos. E então sinto um contacto frio. É o espelho. E então percebo que toda a minha vida estive do lado errado do espelho. Num determinado momento terei trocado de lugar com o meu outro. Quem sabe? Nunca o poderei saber. O meu outro não me deixa dúvidas. Dá-me sempre razão.

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