sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Édipo e Anti-Édipo, A lei moral de Kant como legislação da castração

Transcrevo aqui comentário a um post do Dioniso no seu blog. Vale a pena para todos os amantes da filosofia (e particularmente de Nietzsche e Deleuze) irem visitar o seu "Declínio da Escola".

Freud dizia, se não me engano quanto às suas palavras exactas: "Que necessidade haveria de proibir o que não seria de antemão desejado?". Mas Deleuze e Guattari no Anti-Édipo insurge-se contra esta ligação directa entre a proibição e o desejo, no sentido em que toda a produção de desejo seria eminentemente social na sua génese, que o desejo tem de ser produzido e investido num campo social.

Penso que é possível conciliar o Édipo de Freud com o Anti-Édipo de Deleuze e Guattari (síntese hegeliana?), através da leitura dessa obra formidável de Freud, Totem e Tabu, que mostra como as regras elementares sociais de tribos primitivas, o totem (que designa o clã e a linhagem) e o tabu (as proibições implícitas) tinham a consequência de impedir a consanguinidade. Assim, o filho não podia ter relações sexuais com a mãe, a filha com o pai, nem entre irmãos e irmãs, o que efectivamente corresponde a uma primeira organização social humana, que permitia distinguir as linhagens e ordenar-se socialmente. Aqui é que faz sentido então falar na castração como algo de fundamental para a civilização humana, no sentido em que o desejo tinha de se manifestar na sua estrutura social adequada.

A moral kantiana pode ser considerada então, de certa forma, como uma rigorosa legislação da castração, do que nos torna humanos civilizados.
Só através da castração acedemos à ideia de objecto ideal de amor, onde cabe a ideia de pureza e de impureza. Só quando um objecto de amor tem a possiblidade de ser considerado "impuro" (a mãe e os irmãos) é que se pode chegar à noção de objecto de amor "puro", ideal (a mulher do tipo mãe que será minha, nunca realmente a mãe mesmo) E só aí é possível sermos seres linguísticos, pois a linguagem tem funções, como sugere Baumann, de inclusão e de exclusão, ou da criação de simulacros de Baudrillard, tentando combater a ambivalência do desejo.
A linguagem verbal é neste sentido uma permanente legitimação da pureza da sensualidade da experiência de nossas vidas (sim, neste sentido tudo é sexual e sensual na linguagem).

A lei moral kantiana como concepção do desejo no seu estado puro implica uma concepção do desejo como o inalcançável precisamente por ser puro. A noção de pureza implica um objecto ideal de amor que naturalmente nunca poderá ser satisfeito. Isto implica uma clara cisão (e aí entra a lei) em que todo e qualquer desejo tem necessariamente de ser produzido socialmente. Mas isto é precisamente onde Deleuze e Guattari insistiam tanto, que não devemos voltar a pegar na mãe e no pai para compreender o desejo, mas sim no investimento que é feito em todo um campo social alargado. O esquizofrénico persegue então, não um objecto social "puro", mas sim os objecto parciais de Melanie Klein que Deleuze tanto gostava. O esquizofrénico rasgaria assim esse corte entre a pureza e a impureza, o ideal e o real, num modo de ser terrivelmente ambivalente.

2 comentários:

sonia disse...

«Penso que é possível conciliar o Édipo de Freud com o Anti-Édipo de Deleuze e Guattari (síntese hegeliana?)»

Hegel para reunir D&G a Freud?

Empresa impossível, que só posso atribuir a uma leitura algo superficial.

Fica a citação e o link:

«Toward an experience and a technology of desire that were no longer Freudian. (...) Anti-Oedipus is not a flashy Hegel. I think that Anti-Oedipus can best be read as an ‘art’. (...)» - Michel Foucault, Preface to Anti-Oedipus.

http://multitudes.samizdat.net/Anti-Oedipus-Thirty-Years-On

Mas o melhor mesmo é ler o prefácio de Foucault à edição nglesa do Anti-Édipo.

José Magalhães disse...

Muito Obrigado!