segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Psicanálise Chinesa, Zen e Lacan



Encontrei uma interessante entrevista com Michel Guibal, psicanalista francês que trabalha na china. Foi ele que analisou Huo Datong, o primeiro psicanalista lacaniano chinês, que é conhecido na China como o "Freud" chinês. Guibal mantém aliás uma página muito interessante sobre "Lacan e a China", de seu nome "Lacan et le monde Chinois". Nesta página encontram muita informação acerca das influências da psicanálise na cultura chinesa, influências chinesas na psicanálise ocidental, referências à China na obra de Freud e Lacan, referências a Lacan e Freud em autores Chineses e textos e informação sobre os índices de saúde mental na China. Ainda não vi tudo, até porque está em francês, que não é das minhas línguas fortes. Mas fiquei a saber, por exemplo, que os suicídios na China são um quarto de todos suicídios do mundo inteiro, que é o único país onde as mulheres se suicidam mais que os homens, sendo também a principal causa de morte dos chineses entre os 15 e os 34 anos.

Quanto á psicanálise na China, é curioso verificar o seu crescente sucesso nesta cultura milenar. Contudo, um dos entraves que se tem encontrado neste processo, tem a ver com a dificuldade em traduzir os textos de Freud e Lacan para a língua chinesa, dado que as estruturas da língua diferem extraordinariamente. Já o divulgador inglês do Zen, Alan Watts, referia que nas línguas ocidentais normalmente "as diferenças entre coisas e acções são claramente, se bem que nem sempre logicamente, distintas, mas um grande número de palavras chinesas são indistintamente utilizadas para substantivos e verbos - razão pela qual quem pensa em chinês terá pouca dificuldade em ver que os objectos são também acontecimentos, que o nosso mundo é mais um conjunto de processos do que de entidades."
Os próprios caracteres chineses, variam grandemente seu significado consoante o contexto em que estão inseridos. Aliás, Freud usou esta característica dos caracteres chineses para fazer uma analogia com a linguagem dos sonhos, precisamente no seu livro "A interpretação dos sonhos", no sentido de explicar que os elementos do sonho não podiam ser interpretados de forma isolada, mas sim no contexto e na sequência do resto do sonho. Assim sendo, as palavras de Lacan quando este diz "O inconsciente estrutura-se como linguagem", não se aplicam na perfeição à linguagem chinesa? Talvez então a dificuldade de traduzir as obras clássicas da psicanálise para o mandarim seja as potencialidades novas que esta oferece para traduzir o pensamento psicanalítico mais fielmentente até que as línguas de origem.

Referindo ainda Lacan, é importante lembrar que o primeiro seminário deste, acerca dos escritos técnicos de Freud, começa precisamente com a analogia entre o Psicanalista e o Mestre Zen, na medida em que o mestre Zen interrompe o silêncio com qualquer coisa, um sarcasmo, um pontapé. É assim que procede, na procura do sentido, um mestre budista, segundo a técnica zen . Cabe aos alunos, eles mesmos, procurar a resposta às suas próprias questões. O mestre não ensina ex-cathedra uma ciência já pronta, dá a resposta quando os alunos estão a ponto de encontrá-la.

Há aliás vários outors pontos de contacto entre a Psicanálise e o Budismo Zen, tais como a concepção do Eu, dos mecanismos de defesa, entre vários outros aspectos que são abordados neste artigo que vale a pena ler: "Lacan e a Arte Zen do Psicanalista" de André Camargo Costa

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Joe, certamente há pontos de contato entre a Psicanálise e o Budismo,como você ressaltou, a concepção do "eu" como lugar das ilusões, o que se assemelha também ao hinduísmo. Penso que a distinção fundamental que coloca a doutrina budista e a teoria analítica em campos opostos concerne ao desejo. O budista busca a libertação do desejo, por ver nesse a fonte do sofrimento. E eu pessoalmente concordo com eles. Mas a proposta da Psicanálise é outra: é a idéia de que o desejo na medida em que implica na incompletude abre espaço para a mudança e a reinvenção, o que acaba sendo uma saída terapêutica para a mesmísse do gozo.

Grande abraço e parabéns pelo blog.

José Magalhães disse...

Obrigado e volta sempre!