quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A língua das àrvores

Caros leitores de Blog, aqui apresento-vos um conto. Trata-se de uma história, que um dia fui convidado a ir contar a 100 meninos de um infantário da APPACDM em Famalicão. Chama-se "A Lingua das Árvores":

Esta é a história de um homem, um pastor, que guardava as ovelhas à sombra da sua árvore. Num dia de primavera, sentado na relva, o homem ouviu um murmúrio. Continuou a ouvir, atento, e aí viu que era a árvore que sussurrava. Continuou a ouvir, e viu a dança da árvore ao vento. Continuou a ouvir e aprendeu a língua das árvores. Continuou a ouvir e aprendeu a língua da relva, a língua das flores e a língua da terra. O sol começou a pôr-se e o homem foi embora para a aldeia. Tinha ouvido e aprendido muito coisa. Sentia-se grato por toda a verdade que encontrou na árvore. As pedras já não eram só pedras, as plantas já não eram só plantas. Todo o mundo se havia transformado em algo de novo perante os seus olhos.
Quando chegou, o homem quis contar a sua experiência à aldeia toda. Ele havia aprendido a língua das árvores. Toda a gente quis então saber como era, mas o homem não sabia bem como mostrar. Começou a fazer muitos gestos, a mexer muito as mãos, a tentar mostrar como era a dança das árvores. Muitos começaram a mexer-se como ele, e divertiram-se com isso. Mas houve uma pessoa que desconfiou e achou que isso só, não era ouvir as árvores, e alguns começaram a duvidar. O homem tentou soltar sons da boca parecidos com o murmúrio da árvore e quase todos o imitaram e acharam aquilo divertido.
Mas houve duas pessoas que duvidaram de que a árvore realmente estivesse a dizer alguma coisa e chamaram ao homem mentiroso. Muitas pessoas então começaram a duvidar do homem pois achavam as dúvidas razoáveis, e outras queriam saber mais da experiência do homem porque gostavam da dança. O homem estava preocupado pois, por um lado, o que havia aprendido era algo de tão verdadeiro e bom para ele que não estava contente por algumas pessoas duvidarem, pois assim não teriam oportunidade de ver o mesmo que ele viu. Por outro lado, as outras pessoas que acreditaram nele gostaram da dança. Mas a dança era só um exemplo, uma imitação da árvore. Eles pareciam só interessados na dança e não na verdade da árvore. O homem tentou explicar melhor.
Mas as explicações e os exemplos ainda não convenceram todos. E muitos dos que se diziam convencidos pareciam aceitar aquilo com uma ligeireza tal, dando muitas opiniões e piadas, que não terão aprendido ainda a linguagem das árvores tal como o homem a recebera em toda a sua gravidade e consequência. O homem tentou explicar melhor, mas por cada explicação havia mais dúvidas e mais opiniões. Nunca mais acabou a discussão na aldeia.
Viajantes chegavam e ficavam interessados na discussão sobre a língua das árvores. Por essa altura já havia mais de cem explicações do que aconteceu. Cada viajante escolhia a verdade que encontrava nas várias histórias, para então levar uma história que a próxima aldeia entendesse. Mas não entendiam. E então o desentendimento espalhou-se por todo mundo desta forma.
Havia a história que dizia que a língua das árvores era apenas mexer muito com as mãos, outros diziam que não havia árvore nenhuma e que um pastor tinha inventado uma língua e apenas deu uma árvore como exemplo. Outras histórias diziam que não havia pastor nenhum e que a sua história tinha sido inventada pelos chefes da primeira aldeia que queriam dar a conhecer a aldeia para atrair viajantes e mercadores que trouxessem riqueza
Havia também homens que diziam que as histórias não tinham começado naquela aldeia, mas na sua, e disputavam entre si qual das aldeias era a originária das histórias. Outros homens ainda, diziam que todas as histórias são mentiras, pois tinham observado as árvores por dentro e por fora e que ela não tinha mãos para dançar, nem voz para falar, portanto nunca poderia ter ensinado nada a nenhum homem.
Houve homens que achavam que não se tinha observado bem as árvores e inventaram muitos instrumentos úteis para observar melhor a árvores à procura por exemplo de mãos ou bocas muito pequenas. Esses homens chamaram-se a si cientistas. Outros preferiam pintar uma árvore ou dançar como uma árvore pois isso era divertido e a árvore parecia assim verdadeira para elas. A esses chamaram-nos de artistas. Outros ainda, procuravam dar explicações cada vez melhores das histórias, usando a lógica e as palavras certas, ao que foram chamados de filósofos. E foi assim que o desentendimento se espalhou e se dividiu sobre a terra. Entretanto a maioria das pessoas vão-se divertindo com as danças, pinturas, canções e poemas dos artistas, os instrumentos e as técnicas úteis e confortáveis dos cientistas, e os filósofos discutem quais são as melhores explicações das histórias pelo prazer de conversar.Claro que o que está a ser narrado, também é somente uma história que não sabemos qual a extensão de verdade que podemos nela encontrar. Diz-se no entanto, que a árvore continua no seu sítio, à espera que haja alguém que ainda a queira ouvir.

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