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Oscar Wilde normalmente é associado a um idealismo estético carregado de ironia, charme e hedonismo, mas neste ensaio, ele desenvolve com todas essas qualidades um pensamento político onde tenta conciliar o que ele considera positivo das teorias do socialismo emergentes com com uma visão muito particular dos ensinamentos de Jesus Cristo.
Começa por afirmar que o socialismo teria como principal benefício o deixarmos de ter de viver compulsivamente para os outros, naquilo que ele considera o nascimento de um novo Individualismo. Diz-nos Wilde que a propriedade privada criou um tipo de invidualismo falso que é uma ameaça a um verdadeiro Individualismo. Oscar Wilde é contra a propriedade privada. É-o no sentido em que defende um Individualismo em que não se medie as pessoas pelo que as pessoas têm, mas sim pelo que as pessoas são: “The true perfection of man lies not in what man has, but in what man is.”
Aqui Wilde toma o exemplo de Jesus Cristo e considera que a principal mensagem cristã foi a de que a perfeição não reside no acumular e posse de coisas externas. Que a perfeição reside dentro de cada um de nós. As riquezas comuns podem ser roubadas de um homem mas as verdadeiras riquezas não. No tesouro da alma residem tesouros que não podem nunca ser roubados.
Oscar Wilde fala-nos também da arte como expressão máxima de individualidade do ser humano. Assim a arte não deve ser popular, mas sim pessoal. A maior tragédia de uma Arte é quando esta se torna popular, pois quando assim acontece, a arte já mercantilizada obedece ao sentido crítico artístico das massas, faltando precisamente às massas esse sentido crítico artístico. Um exemplo disto é os “morangos com açucar” feito à medida do mercado e não como forma de arte, acabando por ser apelativo a massas de juventude sem sentido artístico. Assim, nas próprias palavras de Wilde: “Art should never try to be popular. The public should try to make itself artistic.”
Oscar Wilde fala-nos também da problemática da máquina com grande actualidade, apesar de viver no séc. XIX. Diz-nos que a máquina tira empregos que deixam na miséria milhares de pessoas.
Já Marx falava nisto, na medida em que o controlo dos meios de produção, as máquinas, é o que legitima o poder da classe dominante. Dando um exemplo prático, um homem pobre hoje em dia que queira viver da venda de cerveja, não tem capacidade de o fazer pois não tem as máquinas necessárias para a produção em larga escala que torna o produto concorrente em preço para que o possam comprar. Ademais com ASAEs e regras de segurança e higiene vigentes, a produção de cerveja só está acessível a quem tem capital para adquirir os meios de produção onde só aí as regras de segurança e higiene são possíveis de colocar em prática, pois foi para a produção em massa que elas foram feitas.
Oscar Wilde dizia que as máquinas deviam servir o homem ao invés de servirmos as máquinas, que é particularmente irónico e trágico que a ascensão da máquina tenha levado a fome a muita gente. Adianta então que as máquinas deviam servir para fazer todo o trabalho sujo, repetitivo e mecânico usualmente reservado aos homens pobres.
Sobre isto, Wilde apenas anteviu o desafio mais premente da nossa época: a tecnologia.
E sobre isto queria referir o seguinte:
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Considero esta visão altamente neurótica. Não que seja irrealista, pelo contrário é extremamente realista, e o problema passa por aí. Seria tão ou mais acertado dizer tudo ao contrário, ou seja, que o computador foi feito tendo como modelo a psique do homem ocidental moderno e neurótico. Analisemos isto da mesma forma como podemos por exemplo dizer igualmente que fizemos Deus à nossa imagem e da mesma forma que fomos feitos à imagem de Deus.
O Computador vive de rituais, é obsessivo e sofre de omnipotência de pensamentos. Tudo isto são coisas que, presentes num homem, são critérios de diagnóstico de uma neurose obsessiva. E toda a neurose obsessiva parte de um conflito da fase anal, fase essencial para a aquisição da noção de propriedade privada.
Uma das consequências normais de um conflito não resolvido na fase anal é uma racionalidade extrema. A máquina é extremamente racionalista, fria, não tem emoções, faz o que lhe mandam, como uma compulsão ou imperativo categórico kantiano. A máquina é então a forma perfeita para perceber como somos neuróticos na forma como glorificamos a razão e a inteligência per si, destacando-a da base emocional que a sustenta. A glorificação actual da tecnologia diz o quão somos actualmente neuróticos. Assim, entendamos as palavras de Wilde quando diz que a máquina devia servir o homem e não sermos escravos da máquina neste sentido: a razão deve servir as emoções e não o contrário que é usarmos a razão para escravizar as emoções.
Oscar Wilde era um psicanalista antes do tempo. Foi um grande prenúncio neste seu ensaio político, daquilo que viria a ser a obra por exemplo do psicanalista Erich Fromm, que repete a mesma oposição e impasse essencial referente à neurose moderna e sociedade que esta fundou: o Ter e o Ser. Já mais acima citei Wilde e repito quando este diz “The true perfection of man lies not in what man has, but in what man is.”
Erich Fromm fez então anos mais tarde esta mesma análise, baseando-se curiosamente em fontes muito parecidas com as de Wilde, nomeadamente Marx e Jesus. Então Erich Fromm, tal como Wilde, opõe-se à noção de propriedade privada, sendo ela decorrente de um conflito na fase anal, prenúncio de um individualismo falso tal como, acrescento eu, a inteligência artificial é o que o próprio nome diz: uma psique falsa. O medo paranóico presente em muitos malucos do nosso mundo (cada vez mais) e expressa em muitos filmes populares (Exterminador Implacável ou Matrix, por exemplo) em que há o medo de que a máquina acabe por dominar o ser humano, é não mais do que uma projecção fiel das angústias inconscientes de que a razão possa vir a dominar por completo a psique humana, expulsando as emoções do mapa. Assim, o Robocop, por exemplo é o modelo perfeito para compreender o que é a neurose obsessiva.
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Vemos o Robocop no fim do primeiro filme da série, confrontado com o seu patrão numa mesa de negócios. Vemos claramente aqui uma representação de complexo de Èdipo: ele quer matá-lo por toda a castração que lhe foi imposta, mas ao mesmo tempo não o consegue por já se haver identificado, aquando da sua passagem para adulto (robot), com a lei paterna.
Assim, a psicologia cognitiva tem razão quando diz que somos como robôs. O único problema deste modelo é, como me disseram há tempos e concordo perfeitamente: é que ela é regressiva mas não o consegue ser tanto quanto a psicanálise.
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2 comentários:
Boas malhas! =)
Vou meter isto nos favoritos e começar a passar cá mais vezes.
Cumprimentos
Boa, vens a tempo de apanhar este comboio para assistir ao meu lento processo de programática fragmentação esquizofrénica do eu. Abaixo o eu! Ou como cantava furiosamente Adolfo Luxúria Canibal: "Estou farto de mim!!!"
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