segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Adeus Camarada.

O Camarada Hugo Gouveia, de Santo Tirso, faleceu na noite de quarta-feira. Atirou-se da ponte da Arrábida. Deixou uma carta aos pais dizendo que não queria viver mais nesta sociedade. Apagou tudo o que tinha no computador. Vou ter saudades tuas, Hugo.














Nesta foto, o Hugo está com seu ar pensativo muito característico. Esta foto foi tirada num jantar da JCP aqui no Porto. Na altura fomos um pequeno grupo de camaradas no carro que o Partido nos emprestou para irmos de Santo Tirso até ao Porto. Um carro velhinho que o Hugo conduziu para lá e para cá, não sem o necessário empurrão dos camaradas para que este pegasse. No jantar, comemos e bebemos. E rimos. Éramos felizes.

Era amigo do Hugo há cerca de 7 anos, altura que entrei na JCP. Na altura, tinha eu 18 anos, conheci o Hugo que era um ano mais novo que eu na primeira reunião que tive. Na altura ele tinha o cabelo bastante comprido e uma t-shirt com uma foice e um martelo. Notava-se logo com as primeiras palavras trocadas com ele, que se tratava de alguém muito inteligente. E, de facto, ao longo destes anos tive com ele conversas muito profundas. E o conhecimento do Hugo não vinha dos livros. Apenas citava Marx e Lenine. Tudo o resto era dele. Falava como um filósofo sem ler qualquer livro de filosofia. O Hugo era um ser muito reflexivo. Como grande parte de mim também é assim, muitas vezes, com grupos maiores de amigos, começávamos a falar sobre problemas da vida e da existência e isolávamo-nos. O teor da nossa conversa não passa no crivo da tagarelice de circunstância. Discutíamos muito e discordávamos ardentemente. O Hugo era ateu materialista convicto. Sempre que lhe falava em monges e parábolas ele ficava intelectualmente irritado. O Hugo gostava de falar de utopias, da sociedade perfeita, do estado comunista perfeito. Era assim o Hugo. Nunca estive com ele muito regularmente, mas sempre nos vimos de tempos a tempos, normalmente no Partido. Trabalhámos na festa do Avante, a montar e a desmontar barracas e a lavar pratos. Fizemos reuniões, colámos cartazes. No fim, bebíamos uma cerveja e conversávamos. Falávamos de livros e do mundo. Numa dessas vezes eu tirei-te esta foto contigo junto dos cartazes mais bizarros que já alguma vez se colaram. Foi na Escola Secundária D.Dinis, à noite.
















Com a tua despedida precoce, com 24 anos, deixas em choque todos quanto reconheciam o que havia de especial na tua pessoa. Entre eles eu me incluo. Dói-me pensar que te deixámos ir sem que ninguém te deitasse a mão. Há algum tempo que não estava contigo. Meses. Mas, entretanto, há uma semana, pensei em ti. Pensei em ligar-te um dia destes para irmos beber um copo. Entretanto, não cheguei a ligar. Não sei como estavas. Eras um ser solitário. Não sei o que te levou a quereres ires embora desta vida, desta maneira. Mas não escapas desta vida impunemente. Deixas uma ferida em todos quantos deixaste a tua marca neste mundo e não me esquecerei de ti. Adeus Hugo.

5 comentários:

sonia disse...

Percebo que um tipo com setenta anos, tuberculoso, se suicide.

Não percebo que um jovem de 24 anos, saudável e na flor da idade, se suicide.

Sei o quanto é indecoroso julgar nestes momentos, mas que terrível relação terá tornado a morte, o nada, algo de apetecível? Uma fatídica associação entre romantismo filosófico, comunismo político e ateísmo religioso? Fixações e militantismos do espírito que negam a alegria e a liberdade de um corpo?

«O Corpo sem Órgãos não pára de oscilar entre as superfícies que o estratificam e o plano que o libera. Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. O pior não é permanecer estratificado — organizado, significado, sujeitado — mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca».

Disse-o um tipo que amava a vida e se suicidou aos setenta anos...

Anônimo disse...

(...)

Anônimo disse...

Que finalmente encontres paz. Camarada...

maccc disse...

Não era hoje um dia de palavras
Intenções de poemas ou discursos
Nem qualquer dos caminhos era nosso
A descrever-nos bastava um acto só
E já que nas palavras me não salvo
Diz tu por mim, silêncio, o que não posso
José Saramago

Na suprema tristeza de te ver partir, um poema de que gostavas muito e o orgulho infinito por ter tido um Amigo assim...

Por todos os momentos em que, como dizias, fomos crianças à descoberta...

Até Sempre Hugo, Até Sempre Camarada!

Anônimo disse...

Tenho saudades... <3