quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Gonçalo Tavares e filosofia de criança

"Tinha de pagar a um oculista. Levava o cheque já preenchido. Cheguei ao sítio e disseram-me: Morreu ontem, num desastre de carro. Tinha o cheque em nome dele, e agora estava morto. O primeiro pensamento foi: se eu tenho um cheque para lhe pagar, ele não pode estar morto. O segundo pensamento, passado uns segundos foi: vou ficar com o dinheiro. O terceiro pensamento foi: como é que a tua cabeça foi capaz de ter aquele 2º pensamento? O quarto foi: toda a gente pensa todas as hipóteses numa situação, mesmo as hipóteses nojentas."

Gonçalo Tavares em Água, Cão, Cavalo, Cabeça.

Gonçalo Tavares escreve como uma criança que diz as coisas óbvias mas que não são de dizer. Ele é capaz de dizer coisas como "é preciso acreditar na verdade e não acreditar na mentira". Produz literatura como Wittgenstein faz filosofia. Pega em assumpções básicas e, à custa de as encarar tão a sério e de as dizer e escrever, fá-las tornarem-se estranhas e irreais. É semelhante ao efeito de dizermos 100 vezes a mesma palavra até ela começar a parecer um som estranho sem sentido, como se fosse de uma língua estrangeira.

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