Li há pouco tempo este magnífico romance de Gonçalo Tavares, Jerusalém. Apelidado em França de Kafka português, com uma escrita lúcida, concreta e dura, Gonçalo Tavares transporta-nos para um mundo de personagens sui generis, entre eles o doutor Theodor Busbeck que quer fazer um estudo sobre a distribuição do horror na história humana e que entende necessária a busca de Deus como critério de saúde mental:
"Theodor era absolutamente saudável, em qualquer parâmetro que fosse considerado. Fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Estas três categorias eram, aliás, para Theodor uma espécie de pontos cardeais indispensáveis à existência com saúde. Era, a este nível, bem mais flexível do que a maior parte dos seus colegas de clínica mental que reduziam a saúde ao estado em que os músculos fazem o que nós queremos e nós queremos algo de sensato. Para Theodor, a este indivíduo, faltaria ainda a normalidade espiritual. E o que era esta? Eis a fórmula: falta algo ao homem normal, ao homem dito saudável, e ele - como qualquer criança - procura encontrar o que lhe falta, principalmente porque esta sensação de roubo: alguém ou algo que me levou uma parte - parte, continuemos a chamar-lhe assim, espiritual -, então, o homem normal, o homem saudável, vai à procura do ladrão e do objecto roubado, mas neste caso, ele não percebe aquilo que lhe foi roubado, não conhece a forma e o conteúdo da substância que agora lhe faz falta. Descobrir o que fora roubado a nível espiritual, era, para Theodor, um objectivo indispensável. O homem saudável quer encontrar Deus, dizia Busbeck de modo mais directo."
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