A Águia foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal, em que colaboraram figuras da nossa Cultura, como Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, António Sérgio, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
Vai ser lançada no dia 19 de Maio, no Porto, a revista Nova Águia, que pretende retomar o espírito da antiga Águia. Esta revista é também um orgão do MIL, Movimento Internacional Lusófono, ao qual associei o meu nome há uns tempos. Trata-se um movimento que pretende reflectir sobre a ideia de pátria e de uma ideia de Portugal fundada em valores universais.
No dia 30 de Abril houve uma conferência de imprensa aqui no Porto sobre o lançamento desta revista e eu decidi dar lá um pulo, mesmo não sendo jornalista. Afinal, decorreu na fundação José Antunes que descobri ser muito perto de onde moro. Vi o Paulo Borges, Celeste Natário, o Renato Epifânio, em entrevistas. No fim cumprimentei-os, troquei algumas poucas palavras, disse que fazia parte do movimento. Depois tive que me vir embora pois tinha afazeres.
De qualquer maneira, o lançamento oficial da revista é 19 de Maio. Terá entre outras coisas um texto inédito de Agustina Bessa-Luís.
Tive conhecimento do MIL e da Nova Águia há uns meses. Em Dezembro do ano passado comprei o livro Cantos de Amor do VI Dalai Lama. São poemas repletos de lirismo e sensualidade, escritos por um dos Dalai Lamas mais excêntricos que já existiram. O livro tem uma introdução muito boa do Paulo Borges, nome que fixei, e que mais tarde vim a saber ser o presidente da União Budista Portuguesa e membro da direcção do MIL e da Nova Águia.
Nessa introdução é descrita a vida e o contexto histórico de Tsangyang Gyatso, sexto Dalai Lama nascido em 1683. Gyatso foi um Dalai Lama boémio, de cabelos compridos, e suas paixões eram vinho, poesia, mulheres e tabernas. Foi o único Dalai Lama que recusou solenemente os votos monásticos. Amado pelo povo, deixou uma obra poética vasta e muito difundida entre o povo tibetano principalmente. O seu reinado corresponde ao mesmo tempo a um período conturbado na história do tibete, tal como a de hoje. Ocupado pelos mongóis, foi nessa altura que os Chineses interviram e libertaram os tibetes da ocupação mongol. É aliás esse ainda o principal argumento do governo chinês quando dizem que o tibete faz parte da China.
Temos visto actualmente nas notícias ser tratada a questão do Tibete. A viagem da tocha olímpica tem causado incómodos e confrontos vários por onde tem passado. Fala-se em boicote de jogos olímpicos e outras eventualidades. Entretanto, a China reatou diálogos com o actual Dalai Lama, o que lança uma atmosfera de expectativa em todo o mundo que acompanha a questão.
No entanto, a China avisou que a questão da independência estaria fora das conversações. Sobre o que é que andarão a conversar, então? Eu aposto que devem andar a negociar "reencarnações".
Para quem não sabe, a China aprovou há algum tempo uma lei que regulamenta a reencarnação. Pode parecer estranho mas é isso mesmo: uma lei que diz que em território chinês a reencarnação só é admissível do ponto de vista legal mediante determinadas condições tal e tal, etc.
O que se pretende daqui é logicamente a tentativa da China de controlar o próximo Dalai Lama e a sua descendência. A passagem do Dharma, processo que designa o líder espiritual e político do povo tibetano, faz-se como sempre se fez, através da reencarnação, por intermédio de um oráculo. Perante a lei que os chineses fizeram aprovar, em resposta o Dalai Lama já sugeriu que a passagem do Dharma poderia modificar-se, passar a ser feita através do voto de um conselho de anciãos do tibete, ou seja uma espécie de democracia. Também já ouvimos Dalai Lama referir que se demitirá do cargo de líder secular do Tibete caso a violência atinja níveis incontroláveis, pelo que ficaria neste caso apenas com a tutela religiosa e relegando a tutela política do tibete.
Esta discussão sobre a descendência dos Dalai Lamas leva-nos de volta ao poeta, mulherengo e boémio VI Dalai Lama dos anos 1700 e tal. Também na altura houve a discussão acerca da transmissão do Dharma. A rígida estrutura monástica tibetana da altura não gostava muito da vida lírica e rockeira do seu Dalai Lama. Chegaram a consultar o oráculo para confirmar se aquele ser libertino seria o verdadeiro Dalai Lama e a resposta terá sido a mesma: aquele é o Dalai Lama de todos os tibetanos, quem não o seguir será infiel. Mais tarde, Gyatso desapareceu, morreu ou foi morto, não se sabe ao certo. O que é certo é que houve uma discussão profunda na altura sobre se deveriam mudar a descendência dos Dalai Lamas para uma descendência hereditária, pois este tinha muitos descendentes espalhados pelo Tibete dessa forma.
A discussão sobre a reencarnação do Dalai Lama também se discute hoje, passados uns bons 300 anos, embora condições bastante diferentes. Eu pela minha parte, digo que não confio no governo chinês, aquilo não é socialismo nenhum, trata-se mais de um certo capitalismo de estado. Contudo, se há esperança para o comunismo chinês, penso que o segredo está em conseguir com tornar o regime chinês mais humano. Para que tal aconteça, o governo chinês devia valorizar o budismo que lhe pode ser muito útil nesse sentido. De recordar que o budismo é a religião mais praticada pela maioria dos chineses.
E também o governo tibetano, apelidado de teocrático, penso que se trata antes do mais antigo e mais avançado sistema democrático que existe: a reencarnação. Se o líder é escolhido ao "acaso", digamos assim (acaso é a forma como nós ocidentais apelidamos o divino), quer dizer que qualquer um de nós pode ser Dalai Lama, em termos probabilísticos. Só desta forma é que fazemos justiça à crença democrática de que somos todos iguais.
A minha proposta para fazer evoluir o sistema democrático dos países ocidentais como o conhecemos é: sortear o líder entre todos os cidadãos. (sortear porque no mundo de hoje é dos poucos rituais mágicos que nos resta). Termino com um poema de Gyatso, o VI Dalai Lama:
CANTO DE LHASA
Pavões da Índia oriental,
Papagaios das profundezas de Kongpo,
Nascidos embora em países distintos
Em Lhasa se reencontram, onde gira a Roda do Dharma.
terça-feira, 6 de maio de 2008
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