Outro dia passei na "maria vai com as outras" , loja de livros, tabacos, chás, artesanato, mobiliário, vinhos, etc, na rua do Almada. Aquilo tem uma decoração que que faz lembrar uma cozinha de avó e uma loja de design pós-moderno, tudo ao mesmo tempo. Encontrei lá um livrinho muito giro e a bom preço (7 euros!): Poemas Escolhidos de Jorge Luís Borges traduzidos por Ruy Belo. Aqui deixo uma pérola:
Arte Poética
Olhar o rio que é de tempo e água
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdermos como o rio
E que os rostos passam como a água
Sentir que a vigília é outro sono
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme a nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sono.
Ver no dia ou até no ano um símbolo
Quer dos dias do homem quer dos anos,
Converter a perseguição dos anos
Numa música, um rumor e um símbolo,
Ver só a morte o sono, no ocaso
Um triste ouro, assim é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Volta como a aurora e o ocaso
Às vezes certas tardes uma cara
Olha-nos do mais fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela a nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios
Chorou de amor ao divisar a Ítaca
Verde e Humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade e não prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heraclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável
Jorge Luis Borges
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