terça-feira, 22 de abril de 2008

Arte Moderna, Morte e Capitalismo

No Domingo, critiquei a arte moderna foleira que anda por aí, consequência da economização e mercantilismo da arte que subvertem a própria produção artística. Hoje, vi no JN, uma entrevista com Cruzeiro Seixas, figura importante da arte portuguesa que esteve na génese do surrealismo. É um artista que tem evitado expor seus trabalhos, tendo desta feita aberto uma excepção por se tratar de uma exposição de homenagem a Mário Cesariny.

Como justificação da sua recusa em expor o seu trabalho fala-nos sobre a situação da arte em Portugal que encaixa perfeitamente na análise que eu aqui tinha deixado no Domingo:

"A questão é que o mercado das exposições está totalmente distorcido. Hoje, as exposições estão nas mãos de meia dúzia de pessoas que se impõem e se colocam à frente de tudo e de todos. O que se passa é que a arte está entregue a uns aventureiros que fazem tudo e mais alguma coisa para vender. (...)



Hoje acontecem exposições todos os dias e muitas delas são de qualidade duvidosa. Há casos em que o pintor acaba de fazer o quadro, a tinta ainda está fresca e vai logo a correr fazer uma exposição. Tanto ele como o galerista ficam todos contentes, mesmo que a tinta ainda lhes pegue nos dedos. Ora, isso é incrível, porque o pintor acaba por entrar no sistema e, se é verdade que o dinheiro ajuda, também não é menos verdade que não é tudo. O dinheiro, as vendas não podem controlar a arte e muito menos o acto da criação. No meu tempo, era muito diferente, tínhamos a ditadura de Salazar. Hoje, temos a ditadura de pequenos pintores, galeristas e intelectuais que usam a cultura para si próprios e com um resultado muito particular, ter uma vida luxuosa.
(...) Ainda continuo a pensar que o artista deve ser do contra. Contra o Estado, contra o estabelecido, e o que se verifica agora é precisamente o contrário. Há uns senhores galeristas que pedem isto e aquilo e os pintores cumprem imediatamente. A arte não é para se estar de acordo, nem para os artistas se acomodarem às situações.

Entendo pelo que vejo, pelo que me apercebo, que há um baixar os braços dos artistas. Parece q
ue não há ideias novas e o que se vai vendo é uma espécie de academismo da arte moderna. É uma asneira completa e, por isso, surgem por aí todos os dias nomes de que nunca ouvimos falar e, por outro lado, há um leque enorme de grandes exposições que deveriam ser feitas e que ninguém as faz".

Ainda sobre a arte moderna vi no Blog "O Homem que Sabia Demasiado" um post acerca daquele "artista", Guillermo Vargas, que resolveu colocar numa exposição de arte um cão a morrer à fome, e que tem suscitado grande polémica a nível mundial. Comentei da seguinte maneira:

"o gajo (o "artista") pôs-nos todos a falar sobre ele por todos os cantos do mundo. Imaginem quanto não vale agora um trabalho dele! Ele chegou ao estatuto de "polémico mundial" o que é o máximo que se atinge na carreira artística hoje em dia.

É a mesma estratégia dos filmes catástrofe: há um gozo lacaniano perverso em ver representados os nossos maiores medos, um certo gozo super-egóico.

A morte aterroriza-nos, e o medo da morte é o que sustém o edifício da sociedade. Sem o medo da morte não haveria capitalismo, não haveria comércio, não haveria necessidade de iogurtes com bifidus activos e outras palermices. Ninguém mais precisaria de tentar vender seja o que for a ninguém. Quando se esvai o medo da morte, todo o pensamento utilitarista capitalista aparece como coisa de gente assustada demais para viver.

O capitalismo funciona sob o imaginário da morte. O artista vende imaginário. Mais cedo mais tarde haveria artistas a tentar vender a morte."

Não quero terminar sem deixar aqui as palavras com que Adorno começa a sua "Teoria Estética":
"Tornou-se manifesto que tudo o que diz respeito à arte deixou de ser evidente, tanto em si mesma como na sua relação ao todo, e até mesmo o seu direito à existência. A perda do que se poderia fazer de modo não reflectido ou sem problemas não é compensada pela infinidade manifesta do que se tornou possível e que se propõe à reflexão.

O alargamento das possibilidades revela-se em muitas dimensões como estreitamento. A extensão imensa do que nunca foi pressentido, a que se arrojaram os movimentos artísticos revolucionários cerca de 1910, não proporcionou a felicidade prometida pela aventura. (...)

Entrou-se cada vez mais no turbilhão dos novos tabus; por toda a parte os artistas se alegravam menos do reino de liberdade recentemente adquirido do que aspiravam de novo a uma pretensa ordem, dificilmente mais sólida."
Theodor Adorno

3 comentários:

Anônimo disse...

Li o que escreveste sobre a arte moderna e quero mostrar a minha absoluta concordância. Quando penso acerca da energia e regra simbólica contida na arte como conceito, pressinto a sua vulnerabilidade quando submetida à ordem do valor. Concordo que o capital permeou a ordem do simbólico e que, não apenas precipitou a sua deliquescência (através de vários ataques, que vão desde a reprodução e proliferação irrazoável de símbolos, assim como pela quebra da barreira entre o estético e o quotidiano - ilustrada, no caso da arte, por exemplo pelo dadaísmo) como também, nesse mesmo movimento, estilhaçou a sua ordem e portanto subtraiu qualquer possibilidade de reconfiguração.
Acredito que a arte deve ser diferente do mundo, que deve resgatar a possibilidade de ilusão que parecemos assistir a diluir-se num acrescento totalizador de realidade. Acredito que a relação umbilical entre capitalismo e morte transparece nesse progressão nihilista que planeia secretamente elevar a destruição à qualidade de estética. Penso mesmo que essa batalha está perdida e que não há movimento nostálgico que a reabilite…nostalgia que por sinal é aquilo em que a arte parece converter-se, quando, como lucidamente escreveste, a arte é o futuro.
Mas a arte também é o passado, porque é infinita. E todos os pensamentos e sistemas intelectuais que possamos elaborar para a defender serão impotentes, assim como toda a critica, que tal como o pensamento e os sistemas, é limitada.
Assim amigo, partilho o teu lamento, temo que o tecnológico desenvolva substitutos, tanto para a arte como para o pensamento e que a desconfiguração da ordem do símbolo seja já um prenuncio dessa inevitabilidade. Mas não posso deixar de pensar: Como é que qualquer coisa que se caracteriza por ser infinita pode ser compreendida ou defendida? Não serão, numa outra perspectiva, todas essas considerações uma reivindicação moral?…e no entanto, nem essa hipótese torna sequer mais branda a saudade.

Abraço
Miguel

José Magalhães disse...

Fiquei contente com o teu comentário. Fizeste uma reflexão interessante, gostei. Achei curiosa a questão que colocas:
"como é que qualquer coisa que se caracteriza por ser infinita pode ser compreendida ou defendida?"

tens razão (no sentido em que esta é uma pergunta retórica): o infinito não precisa de ser defendido ou compreendido. É como pensarmos na ideia de um Deus a justificar-se que fez o mundo assim com estas coisas, isto assim e aquilo assado por causa disto e daquilo, a dizer o porquê de tudo o que fez. A precisa razão porque Deus é silencioso é precisamente por o infinito não ter qualquer necessidade de se justificar, explicar ou defender.

S. disse...

Também há maneiras de o capitalismo reproduzir a morte: cf. Baudrillard e "A Troca Simbólica e a Morte", 2 vols.

O "Anti-Édipo - Capitalismo e ..." sublinha que o corpo sem órgãos é o modelo da morte.