sexta-feira, 6 de março de 2009

Psicanálise do Casamento Homossexual

Houve no parlamento lugar a um debate acerca dos casamentos entre homossexuais. O nível do debate foi muito baixo ao nível da sensibilidade e profundidade que se pode dar ao tema. Os defensores dos ditos casamentos argumentam que se trata de uma questão de direitos civis e de igualdade. Considero que não seja esse o ponto fundamental a ser discutido. Aliás, do ponto de vista político e económico, é uma questão menor. Não quero dizer com isto que sou contra os ditos casamentos. O que acho é que a única vantagem que os homossexuais retiram desse diploma é que estes passam a contar com determinados benefícios fiscais. Não deixa de ser legítimo, mas a questão é outra. O que os homossexuais pretendem realmente é a legitimação da sua orientação sexual, o que é um aspecto decorrente de uma forma de neurose, já que há uma conflito decorrente da tentativa de moldar as nossas pulsões sexuais a um objecto fixo e definitivo. Já anteriormente me referi aqui à questão da homossexualidade do ponto de vista psicanalítico, mas deixo aqui mais alguns apontamentos. Para Freud somos todos bissexuais. Todos mantemos relações afectivas com homens e mulheres e todos temos a possibilidade de retirar prazer dessas relações. Para Jung, o homem tem um anima, uma parte mulher dentro de si, e todo a mulher tem um animus, uma parte homem. O problema surge quando existe a necessidade de moldarmos as nossas inconstantes pulsões sexuais segundo conceitos abstractos rígidos e castradores. A homossexualidade e a heterossexualidade, à partida não existem. São identidades que é necessário construir. Do ponto de vista do desenvolvimento infantil as coisas passam-se mais ou menos segundo este esquema:

Infância (0-5 anos)___________________Bissexualidade

Quando nasce, um bebé olha para o corpo da mãe como sendo o prolongamento do seu próprio corpo, sendo que essa separação é gradual, à medida que a criança se vai tornando fisicamente mais autónoma. Com esta autonomização motora gradual, surge uma necessidade de explorar o mundo externo, sendo que se vai apercebendo aos poucos da sua individualidade face à mãe e ao mundo externo. Até aos 5 anos, as crianças investem afectivamente todo a realidade e o campo familiar de forma indiferenciada e exploratória.

Latência (6-11 anos)___________________Homossexualidade estruturante

Este período é particularmente importante para as nossas reflexões sobre a homossexualidade. Entre os 4 e 5 anos dá-se o complexo de Édipo/Electra, sendo que este processo começa mais cedo, antes de mais pela percepção da diferença de sexos. Resolvido este conflito, a criança começa a ganhar a noção de pertença a um género. É aliás o primeiro sentimento de pertença a um grupo: o do sexo. O período de latência é aquele período em que os rapazes só andam com rapazes e as raparigas só andam com raparigas. Os rapazes têm "nojo" das raparigas e estas acham os rapazes "parvos e porcos". É o que Freud chama de homossexualidade estruturante, situação típica do período de latência que Freud caracteriza assim:
"é no período de latência total ou parcial que se constituem as forças psíquicas que mais tarde farão obstáculo às pulsões sexuais e, à semelhança de diques, vão limitar a sua evolução (desagrado, pudor, aspirações morais e estéticas). (...) No período de latência as tendências sexuais são desviadas do seu uso próprio e aplicadas a fins diferentes, processo a que se dá o nome de sublimação, um dos pilares em que assenta civilização"

Adolescência/idade adulta (>12 anos)________Neurose

Com a puberdade e a adolescência, as crianças desenvolvem seu corpos, tornam-se homens e mulheres com seus caracteres sexuais principais e secundários plenamente desenvolvidos. A reprodução é possível e os adolescentes só pensam em duas coisas: sexo e sexo. É também nesta idade que se consuma uma noçao de identidade, de eu, mais definida, com uma estrutura neurótica já bem desenvolvida. Há nesta idade um conflito entre a preservação de uma identidade recém adquirida, e uma necessidade de uma abertura para a alteridade, para capacidade de, após a homossexualidade estruturante do período de latência, voltar a haver interesse pelo mundo do sexo oposto. O sexo oposto surge como um grande mistério e diferença absoluta que atrai.

Erich Fromm diz que "o desvio homossexual é o fracasso em atingir essa união polarizada, e por isso o homossexual sofre a dor da separação,nunca solucionada, fracasso, entretanto, de que com ele compartilha o heterossexual comum que não consegue amar."
Fromm refere-se então ao homossexual como uma neurose partilhada com o heterossexual comum, relativamente à incapacidade de amar em pleno, fruto da dificuldade de relacionamento com a anima e animus, os caracteres do sexo oposto presentes em cada um de nós. O homem neurótico heterossexual responde muitas vezes a este conflito através da homofobia, evitando adoptar ou mostrar simpatia com características femininas. O homem homossexual responde às suas sensibilidades femininas também de uma forma desconfortável, gerando dúvidas que são fruto de dualismos mentais rígidos. Assim, homens e mulheres altamente racionalistas, são mais propensos a dúvidas típicas de homossexuais. Não é por acaso que muitas das características de um homem homossexual, tais como a parcimónia na limpeza, a organização, obsessões e rituais, são típicas de uma neurose obsessiva, que se caracteriza por uma excessiva racionalização da vida afectiva. Neste esquema, as dúvidas em relação a aspectos básicos da identidade sexual são difíceis de gerir. Ferenczi chegou a fazer uma distinção entre homossexuais da seguinte forma: o "homo-erótico, subjectal", que sente e se comporta como uma mulher, e o "homo-erótico, objectal", completamente masculino, e que apenas trocou um objecto feminino por um masculino. Os primeiros denominou de "intermediários" e os segundos denominou precisamente de "neuróticos obsessvivos". Contudo, esta distinção parece-me algo dicotómica, eliminando a vivência da ambivalência entre estes dois modos. Freud referiu-se a essa distinção da seguinte forma: "reconhecemos a existência destes dois tipos, acrescentamos que há muitas pessoas em quem se encontra uma certa quantidade de homo-erotismo subjectal combinada com certa proporção de homo-erotismo objectal"

O "sair do armário", a assumpção e identificação com o papel homossexual é um passo que tenta resolver a ambivalência, mas que não resolve o conflito. Há posteriormente, uma necessidade de reconstruir toda uma identidade nova. Frequentemente relatam que, olhando para a sua vida passada sempre se sentiram homossexuais, o que é uma falsa questão: aplica-se aqui o conceito de Freud de Nachträglichkeit, conceito que é difícil de traduzir mas que reflecte uma um efeito retroactivo da consciência presente sobre as memórias anteriores. No fundo, as memórias anteriores são sempre possíveis de actualização e modificação tendo em conta as circunstâncias presentes. Há uma passagem de Lautréamont que é um bom exemplo disto: "Assentemos em poucas linhas como Maldoror foi bom durante os seus primeiros anos, em que viveu feliz; está dito. Reparou depois que tinha nascido mau: fatalidade extraordinária"

Para terminar deixo aqui a nota de rodapé que Freud em 1915 acrescentou ao primeiro dos seus "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade" de 1905:

"A pesquisa psicanalítica opõe-se firmemente a qualquer tentativa para a separação dos homossexuais do resto da humanidade considerando-a como um grupo de características especiais. Ao estudar outras excitações sexuais além das questões que são manifestamente apresentadas, a psicanálise descobriu que todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objecto homossexual e até a fizeram de facto no seu inconsciente. Na verdade, vinculações libidinais por pessoas do mesmo sexo desempenham um papel como factores na vida mental normal, não inferior ao desempenhado por vinculações similares pelo sexo oposto (...). A psicanálise considera que a escolha de um objecto independentemente do seu sexo - susceptível de se distribuir igualmente entre objectos masculinos ou femininos - como se encontra na infância, é a base original de onde, em resultado de restrições numa ou noutra direcção, se desenvolveram tanto o tipo normal como o invertido. Assim, do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo de um homem por uma mulher é também um problema que precisa de ser esclarecido e não um facto auto-evidente baseado num atracção que, em última instância, é de natureza química"

3 comentários:

Anônimo disse...

podes ler o comentário critico ao teu poste no meu blogue:

http://natchobox.blogspot.com

José Magalhães disse...

Li com muito interesse o teu comentário e sinceramente agradeço a análise crítica. Ultimamente, e e infelizmente, não tenho tido tempo de me dedicar ao meu blog como gostaria, mas prometo uma resposta à altura, uma vez que lanças dúvidas e questões pertinentes em relação a alguns aspectos menos claros do meu discurso e, por outro lado, há algumas discordâncias ideológicas que vale a pena discutir.

sonia disse...

Sobre a sexualidade, o melhor livro que conheço é, ou o "Anti-Édipo" de D&G, ou "Sexual Life in Ancient China" de Van Gullik.

Não homo, nem hetero, nem bi, mas omnisexuais.