segunda-feira, 2 de março de 2009

Erich Fromm: Psicanálise e Religião

Li este livro de Erich Fromm, Psicanálise e Religião
Erich Fromm é um autor que aprecio, principalmente quando ele junta Freud, Marx e Buda nos seus raciocínios. Neste pequeno livro, Fromm começa por distinguir duas visões diferentes da psicanálise face à religião, encarnadas nas posições de Freud e Jung. Para Freud, a religião é uma regressão à infância, uma projecção da figura de um pai protector e fonte de segurança na ideia de um Deus. Já para Jung, a religião encontra-se no inconsciente. Jung situa a religião no inconsciente como algo de sagrado e transcendente, cheio de arquétipos e fonte de descoberta de um eu transpessoal.
Jung tem a sua obra muito associada à religião e várias das suas obras se centram à volta das questões psicológicas espirituais e religiosas. Contudo, é um autor que constantemente me desilude no contacto com a sua obra, na medida em que facilmente entra em campos esotéricos profundos mas depois não está à altura das coisas que fala, reduzindo todas estas questões a uma análise cientifizante e simplista, nunca saindo de uma posição racionalista banal. Fromm apresenta a visão de Jung da seguinte forma: "tendo definido a prática religiosa como a submissão a um poder que nos é estranho, Jung continua, interpretando o conceito do inconsciente como sendo religioso. Segundo o autor, o inconsciente não pode ser apenas uma parte da mente do indivíduo, mas sim um poder para além do nosso controlo que se intromente na nossa mente".
Jung, como que aliena o inconsciente humano, tornando-o algo de separado da nossa psique individual. Para Jung, o inconsciente são conteúdos sagrados que por aí pairam (como almas penadas) que entram na nossa mente e nos dominam. Perigoso! Jung acaba equiparar o inconsciente a um delírio paranóico, de algo que "anda algures lá fora" e que penetra a nossa mente dominando-a! Esquizofrénico!
Freud tinha uma visão muito menos esotérica, ligando a religião a uma estrutura social de obediência a uma autoridade paterna, garante da ordem e do sentido para a comunidade. Isto sim, parece-me algo bastante mais profundo do que todas as esquizofrenias e esoterismos de Jung. Quer isto dizer que a religião para Freud, embora ele não havia aprofundado este caminho, estaria ligado às estruturas comunitárias e políticas de uma sociedade.
Fromm depois segue bem este caminho, mostrando como o patriotismo e as neuroses modernas são da mesma família da àrvore genealógica da religiosidade:

Como forma colectiva e poderosa de idolatria moderna encontramos o culto do poder, do sucesso e da autoridade do mercado; mas, para além destas formas colectivas, encontramos algo mais. Se rasparmos a superfície do homem moderno encontramos um sem-núemro de formas primitivas e individualizadas de religião. Muitas destas formas são designadas por neuroses, mas também lhe poderíamos dar os respectivos nomes religiosos: culto dos antepassados, totemismo, fetichismo, ritualismo, culto da purificação e por aí adiante.

Assim, o culto dos antepassados pode ser encontrado na adoração em massas de uma estrela do rock falecida há muitos anos; o totemismo pode ser encontrado no culto do dragão, do leão e da águia (falo do futebol português como é óbvio), com suas estruturas grupais e tribais geradoras de culto de massas; o culto da purificação, para além de atingir muito doentes obsessivo-compulsivos, é um espírito que a ASAE encarna bem e encontramos uma mitologia da purificação muito bem elaborada nos anúncios do detergente da louça e da roupa (as bolinhas brancas que comem a sujidade à superfície e as bolinhas verdes que comem a sujidade profundas), o ritualismo é facilmente visível nas tomadas de posse e corte de fitas de muitas figuras políticas. Sobre esses políticos acrescentaria um outro aspecto religioso importante: as rezas (quando eles têm as orações/discursos já prontos e o seu único trabalho é encaixar a rezinha certa no momento certo).

Erich Fromm distingue depois as religiões em autoritárias/humanistas. Esta distinção não me convence, pois resumindo Fromm um pouco à minha maneira, isto seria qualquer coisa como: as religiões autoritárias subjugam o homem e nas humanistas é o homem individual que subjuga. Isto porque a defesa que Fromm faz de um tipo de religião humanista passa pela defesa de uma religião que eleva a razão, a liberdade e o amor como ideiais, descartando Deus como suporte ético. Para mim, há razão a mais em Fromm. A razão, como instrumento de domínio humano, não descarta o autoritarismo, pelo contrário. A razão traz consigo uma pulsão de morte, um instinto de dominação e de poder. Aliás, o próprio Fromm refere umas páginas antes que "a razão, benção do homem, é também a sua maldição, pois obriga-o a enfrentar constantemente a tarefa de resolver uma dicotomia insolúvel".

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