A filosofia portuguesa não existe. Os nossos filósofos são poetas, as nossas canções são a nossa metafísica. Um desses filósofos dá pelo nome de José Mário Branco. Soube entretanto, e não ne espanta, que aos 65 anos o cantor voltou à Universidade e teve uma média de 19,1 valores no 1º ano, no ano lectivo de 2005/06 no curso de Linguística da Universidade de Lisboa. No ano passado, o cantor foi o melhor aluno desta universidade.
Na sua música mais emblemática, FMI, de 25 minutos, editada em 1981, José Mário Branco encarna um Artaud que encena um complexo de Édipo português centrado na mãe (sim, os portugueses são matriarcais), fazendo desta música uma The End da Música Portuguesa. Ao mesmo tempo faz um retrato teatral, antropológico, sociológico, filosófico, biológico, escatológico, lógico e ilógico de Portugal e dos Portugueses, fazendo uso de palavrões com um rigor poético notável.
Lembro aqui uns trechos da letra da FMI que mantém totalmente sua relevância nos dias de hoje. Saquem a música e ouçam-na neste link. Recomendo também o download destes dois albums aqui: Ser Solidário e Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades.
"Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah? (...)
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o arbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho?
Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! (...)
A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?!
(...)
Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo!
(...)
Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta!
(...)
E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar... (...)
Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois. Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez.
Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto."
sábado, 5 de julho de 2008
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9 comentários:
excelente post. Só não dizes a password para descompactar os discos...
Password: amrao
Obrigado pelo Reparo!
A página de onde retirei o link é:
http://www.musicalmente.info/viewtopic.php?p=27798&sid=7c0992627c4e64c1df7f6f8ce9a4afda
Existe, sim, mas nós não lhe prestamos a devida atenção. Por exemplo, quem é que lê o António Vieira e o seu admirador Fernando Pessoa como Filosofia? (Só porque o tipo era padre, mas preso e acusado pela Inquisição, cai no guetto dos teólogos, e, no entanto, antigamente a filosofia era coisa de escolásticos). Preferem falar de um Antero de Quental que me parece bem mais naïve..
Hoje, temos o José Gil, o Barata-Moura (mais um que faz filosofia através de canções para crianças), o Eduardo Lourenço, a Filomena Molder... Tínhamos o Prado Coelho.
Não somos muitos, é certo... e tudo muito enfiado nas academias...
josé gil...deve ser para rir... se ainda me falassem do fernando gil, esse sim era um filósofo.
tivemos filósofos: o padre antónio vieira é um deles, antero de quental com certeza, bem como o seu grande amigo oliveira martins, gustavo fraga, julio fragata, etc.
hoje em dia, José Andriano Barata-Moura, o maior filósofo português vivo (quiçá, de todos os tempos...)
quanto ao fernando pessoa, teixeira de pascoas e outros que tais, filosofia não é só literatura.
desculpem, correcção: "Adriano" e "pascoaes"
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Ando á procura do FMI em formato digital tenho um vinil mas nao tenho equipamento para passar do vinil para digital alguem sabe onde posso encontar?
obrigado
Não sei se ainda há malta a ver isto...
Tenho o privilégio de ter decoradíssimo o FMI. Não lhe chamo música, nem texto, nem peça. FMI é uma obra em toda a sua unicidade.
Por ocasião do 25 Abril declamei-o numa interpretação que se propôs colar-se o mais possível à de JMB.
Alterem alguns nomes e aí está o FMI como se tivesse sido escrito há 2 meses...
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