Outro dia encontrei este site do movimento Global Orgasm. A ideia é combinar um dia do ano para toda a gente no mundo ter um orgasmo simultâneo. Com isso esperam libertar "energias positivas" no mundo para que haja menos guerra e menos armas de destruição em massa.
Dizem que podemos fazê-lo sozinhos através da masturbação ou acompanhados. É possível ver um vídeo onde o homem do casal mentor do movimento alerta para a necessidade de, no momento do orgasmo, visualizarmos na nossa mente imagens de paz no mundo. Como tal, o homem nota que é preciso praticar muito para que isto seja feito da maneira certa, deixando ainda o alerta para que não se façam mais bebés no dia do orgasmo por causa dos problemas de excesso de população mundial.
Há ainda o apelo a saberes "científicos" onde mostram um aparelho que nota alterações em cálculos randómicos electrónicos para o dia do orgasmo. O aparelho produz um gráfico que vai para cima e para baixo, o que hoje serve muito bem para dar ares de prova e credibilidade.
Este mundo está doido. Antes de mais nada convém salientar o utilitarismo e ritualismo que aqui é imputado à relação sexual. O mentor do projecto ao alertar para a necessidade de praticar o orgasmo para sair bem no momento certo, diz muito de como a relação sexual para este casal se tornou uma operação altamente programada e mecanizada.
A relação sexual, efectuada desta maneira, é um sintoma de que esta se processa a um nível muito mental, egóica e pouco espontânea. O que há é um encontro previamente estabelecido onde cada um já sabe previamente o que o outro irá fazer, anulando-se assim qualquer perigo de uma interacção espontânea, real, e imediata entre o casal. Toda a emocionalidade é aqui posta de lado.
Ou melhor, toda não. Quando a relação sexual atinge estes trâmites, há uma emoção particular que lhe assiste que é a de um grande sentimento de culpa. Para neuróticos obsessivos como é o caso, basta uma imagem mental menos bonita lhes vir à cabeça que imediatamente se sentem culpados e sujos. Ou essa imagem da cabeça corresponde aos seus ideais, ou se não corresponde, há uma sensação de sujidade que é preciso limpar, uma sensação de culpa que é preciso expiar.
Um neurótico obsessivo por exemplo, se se depara com uma imagem mental de homossexualidade, fica extremamente preocupado por pensar que pode ser honossexual, como se as imagens e pensamentos fossem já um acto.
Daí a pretensão de acharem que podem mudar o mundo com imagens mentais de paz no momento do orgasmo, como se a imagem ou o pensamento fossem um acto.
As imagens, pensamentos e restantes eventos mentais do fluxo da consciência humana não devem ser confundidas com o acto, a acção.
A mente não é acção, mas sim "pura potência", no sentido de Giorgio Agamben: Toda a potência de fazer é também potência de não fazer. Sendo o acto imutável e irreparável, no acto não cabe a categoria de possibilidade que corresponde ao pensamento.
O neurótico obsessivo portanto, ao tomar o pensamento como acto, nega ao pensamento toda o seu carácter de possibilidade, sendo que é o mundo do possível e do impossível que constitui a mente como pura potência. Assim, a omnipotência dos pensamentos de um neurótico obsessivo traduz-se numa impotência efectiva do pensamento, na medida em que lhe retira toda a imaginação, ou seja, a possibilidade de pensar o possível e o impossível.
Ainda sobre o casal do orgasmo globalizado, acrescentaria ainda que seu relacionamento sexual rege-se pelas normas do sadismo e do masoquismo. Aliás, a mulher quando fala no vídeo do site, realça precisamente essa posição superior da mulher na concepção que apresentam da humanidade. Trata-se aqui do esquema típico do amor cortês em que a mulher é quem manda (sádica) no homem que corteja a mulher de formas várias (masoquista que encena a sua própria servidão).
É a isto a que Zizek se refere quando diz que o sadismo e masoquismo que surgem no séc. XIX, tão em voga nos dias de hoje, é um sucedâneo do antigo amor cortês da época medieval, na medida em que neste se encontra subentendida a antiga relação feudal entre o senhor e o vassalo, onde os dois elementos da relação nunca estão numa relação de igualdade, daí a importância do contrato, que se mantém até aos dias de hoje, como fixação das regras que definem o relacionamento entre duas pessoas.
Neste casal "moderno", há também este contrato social, na medida em que, se virmos no site, há a possibilidade de dar donativos, comprar t-shirts e tapetes de rato do orgasmo global, etc. A união que vemos neste casal assume um caractér económico inegável, o que mais uma vez se insere nessa excessiva regulamentação e ritualização da relação.
Este elemento económico define e complementa toda a natureza da relação sadomasoquista obsessiva entre os dois. Este casal nunca produzirá bebés, mas sim dinheiro e mais dinheiro. Aliás, a possibilidade de um bebé é assustadora para este casal (poria o contrato em perigo), basta ver por observações como esta feitas no site:
"Every cute baby is another consumer. Let’s make children even more valued by making fewer of them, before the pressures of overpopulation drive our children to kill each other. "
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Um comentário:
Deleuze analisou o amor cortês na perspectiva da suspensão do prazer, em que privilegia o masoquismo.
Interessante a oposição do parágrafo final, que poderíamos talvez relacionar com o sádido Klossowski e a sua obra "A Moeda Viva".
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