"- Ora ouve! O caso passou-se há pouco tempo, numa aldeola do Baixo Egipto, durante as eleições para a junta de freguesia. Quando os funcionários do Governo abriram as urnas, notaram que na maioria dos boletins de voto estava escrito o nome Bargute. Ora os ditos funcionários do Governo não conheciam tal nome, que não figurava na lista de nenhum partido. Inquietos, logo se puseram à cata de informações; e acabaram por saber, pasmados de todo, que Bargute era o nome dum burro por quem toda a gente da aldeia nutria muita estima, por via da sabedoria do animal. Quase todos os moradores tinham votado nele. Que me dizes tu a esta história? Gohar respirou com júbilo; sentia.se extasiado. «São ignorantes e iletrados», disse para consigo, «e no entanto acabam de fazer a coisa mais inteligente conhecida no mundo desde que há eleições». O comportamento destes camponeses perdidos no cu de Judas constituía o reconfortante testemunho sem o qual a vida se tornaria impossível. Gohar sentia-se derretido de admiração. (...) - Admirável - exclamou Gohar. - E como acaba a história? - É claro, não foi eleito. Estás tu a ver, um burro de quatro patas! O que eles queriam, lá os do governo, era um burro só de duas patas."
Albert Cossery em Mendigos e Altivos
Albert Cossery em Mendigos e Altivos
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