O Camarada Hugo Gouveia, de Santo Tirso, faleceu na noite de quarta-feira. Atirou-se da ponte da Arrábida. Deixou uma carta aos pais dizendo que não queria viver mais nesta sociedade. Apagou tudo o que tinha no computador. Vou ter saudades tuas, Hugo.
Nesta foto, o Hugo está com seu ar pensativo muito característico. Esta foto foi tirada num jantar da JCP aqui no Porto. Na altura fomos um pequeno grupo de camaradas no carro que o Partido nos emprestou para irmos de Santo Tirso até ao Porto. Um carro velhinho que o Hugo conduziu para lá e para cá, não sem o necessário empurrão dos camaradas para que este pegasse. No jantar, comemos e bebemos. E rimos. Éramos felizes.
Era amigo do Hugo há cerca de 7 anos, altura que entrei na JCP. Na altura, tinha eu 18 anos, conheci o Hugo que era um ano mais novo que eu na primeira reunião que tive. Na altura ele tinha o cabelo bastante comprido e uma t-shirt com uma foice e um martelo. Notava-se logo com as primeiras palavras trocadas com ele, que se tratava de alguém muito inteligente. E, de facto, ao longo destes anos tive com ele conversas muito profundas. E o conhecimento do Hugo não vinha dos livros. Apenas citava Marx e Lenine. Tudo o resto era dele. Falava como um filósofo sem ler qualquer livro de filosofia. O Hugo era um ser muito reflexivo. Como grande parte de mim também é assim, muitas vezes, com grupos maiores de amigos, começávamos a falar sobre problemas da vida e da existência e isolávamo-nos. O teor da nossa conversa não passa no crivo da tagarelice de circunstância. Discutíamos muito e discordávamos ardentemente. O Hugo era ateu materialista convicto. Sempre que lhe falava em monges e parábolas ele ficava intelectualmente irritado. O Hugo gostava de falar de utopias, da sociedade perfeita, do estado comunista perfeito. Era assim o Hugo. Nunca estive com ele muito regularmente, mas sempre nos vimos de tempos a tempos, normalmente no Partido. Trabalhámos na festa do Avante, a montar e a desmontar barracas e a lavar pratos. Fizemos reuniões, colámos cartazes. No fim, bebíamos uma cerveja e conversávamos. Falávamos de livros e do mundo. Numa dessas vezes eu tirei-te esta foto contigo junto dos cartazes mais bizarros que já alguma vez se colaram. Foi na Escola Secundária D.Dinis, à noite.
Com a tua despedida precoce, com 24 anos, deixas em choque todos quanto reconheciam o que havia de especial na tua pessoa. Entre eles eu me incluo. Dói-me pensar que te deixámos ir sem que ninguém te deitasse a mão. Há algum tempo que não estava contigo. Meses. Mas, entretanto, há uma semana, pensei em ti. Pensei em ligar-te um dia destes para irmos beber um copo. Entretanto, não cheguei a ligar. Não sei como estavas. Eras um ser solitário. Não sei o que te levou a quereres ires embora desta vida, desta maneira. Mas não escapas desta vida impunemente. Deixas uma ferida em todos quantos deixaste a tua marca neste mundo e não me esquecerei de ti. Adeus Hugo.
Nesta foto, o Hugo está com seu ar pensativo muito característico. Esta foto foi tirada num jantar da JCP aqui no Porto. Na altura fomos um pequeno grupo de camaradas no carro que o Partido nos emprestou para irmos de Santo Tirso até ao Porto. Um carro velhinho que o Hugo conduziu para lá e para cá, não sem o necessário empurrão dos camaradas para que este pegasse. No jantar, comemos e bebemos. E rimos. Éramos felizes.
Era amigo do Hugo há cerca de 7 anos, altura que entrei na JCP. Na altura, tinha eu 18 anos, conheci o Hugo que era um ano mais novo que eu na primeira reunião que tive. Na altura ele tinha o cabelo bastante comprido e uma t-shirt com uma foice e um martelo. Notava-se logo com as primeiras palavras trocadas com ele, que se tratava de alguém muito inteligente. E, de facto, ao longo destes anos tive com ele conversas muito profundas. E o conhecimento do Hugo não vinha dos livros. Apenas citava Marx e Lenine. Tudo o resto era dele. Falava como um filósofo sem ler qualquer livro de filosofia. O Hugo era um ser muito reflexivo. Como grande parte de mim também é assim, muitas vezes, com grupos maiores de amigos, começávamos a falar sobre problemas da vida e da existência e isolávamo-nos. O teor da nossa conversa não passa no crivo da tagarelice de circunstância. Discutíamos muito e discordávamos ardentemente. O Hugo era ateu materialista convicto. Sempre que lhe falava em monges e parábolas ele ficava intelectualmente irritado. O Hugo gostava de falar de utopias, da sociedade perfeita, do estado comunista perfeito. Era assim o Hugo. Nunca estive com ele muito regularmente, mas sempre nos vimos de tempos a tempos, normalmente no Partido. Trabalhámos na festa do Avante, a montar e a desmontar barracas e a lavar pratos. Fizemos reuniões, colámos cartazes. No fim, bebíamos uma cerveja e conversávamos. Falávamos de livros e do mundo. Numa dessas vezes eu tirei-te esta foto contigo junto dos cartazes mais bizarros que já alguma vez se colaram. Foi na Escola Secundária D.Dinis, à noite.
Com a tua despedida precoce, com 24 anos, deixas em choque todos quanto reconheciam o que havia de especial na tua pessoa. Entre eles eu me incluo. Dói-me pensar que te deixámos ir sem que ninguém te deitasse a mão. Há algum tempo que não estava contigo. Meses. Mas, entretanto, há uma semana, pensei em ti. Pensei em ligar-te um dia destes para irmos beber um copo. Entretanto, não cheguei a ligar. Não sei como estavas. Eras um ser solitário. Não sei o que te levou a quereres ires embora desta vida, desta maneira. Mas não escapas desta vida impunemente. Deixas uma ferida em todos quantos deixaste a tua marca neste mundo e não me esquecerei de ti. Adeus Hugo.
5 comentários:
Percebo que um tipo com setenta anos, tuberculoso, se suicide.
Não percebo que um jovem de 24 anos, saudável e na flor da idade, se suicide.
Sei o quanto é indecoroso julgar nestes momentos, mas que terrível relação terá tornado a morte, o nada, algo de apetecível? Uma fatídica associação entre romantismo filosófico, comunismo político e ateísmo religioso? Fixações e militantismos do espírito que negam a alegria e a liberdade de um corpo?
«O Corpo sem Órgãos não pára de oscilar entre as superfícies que o estratificam e o plano que o libera. Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. O pior não é permanecer estratificado — organizado, significado, sujeitado — mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca».
Disse-o um tipo que amava a vida e se suicidou aos setenta anos...
(...)
Que finalmente encontres paz. Camarada...
Não era hoje um dia de palavras
Intenções de poemas ou discursos
Nem qualquer dos caminhos era nosso
A descrever-nos bastava um acto só
E já que nas palavras me não salvo
Diz tu por mim, silêncio, o que não posso
José Saramago
Na suprema tristeza de te ver partir, um poema de que gostavas muito e o orgulho infinito por ter tido um Amigo assim...
Por todos os momentos em que, como dizias, fomos crianças à descoberta...
Até Sempre Hugo, Até Sempre Camarada!
Tenho saudades... <3
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