Voltando após um período de ausência, venho responder ao comentário ao anterior post que lançou o desafio de "aconselhar música que catapulte a veia poética, ensaística ou estados de introspecção apropriados para a escrita". Ora, isso faz-me imensa confusão e lamento não saber dar uma resposta clara a esse respeito. Escolher música para futebolistas é mais simples, na medida em que é possível estabelecer uma associação de ritmos, tempos e movimento. O futebol vive de movimento corporal, físico, tal e qual uma dança. Jogar é dançar. Quanto à escrita, ela segue os tempos da imaginação e suas velocidades infinitas. São incontáveis possibilidades. Há milhões, infinitas possibilidades musicais que podem influenciar infinitos milhões de escritas possíveis. Não vale a pena estar a dizer que para escrever um poema moderno se deve ouvir Joy Division, que para escrever um haiku se deve ouvir jazz, que para escrever um poema místico se deve ouvir música indiana, que para escrever como o Nietzsche se deve ouvir Wagner, para escrever um guião de um filme sobre polícias e prostitutas se deve ouvir Tom Waits, ou que para escrever seja o que for não se deve ouvir coisa nenhuma, ou que para não escrever se deve jogar à bola, ou que para jogar xadrez se deve ouvir música de chuva. Descobrir uma música determinada que nos faça escrever alguma coisa é como apostar numa chave do euromilhões. É um tiro no escuro. Suponhamos que até temos sorte e esta semana achámos que era aquele número (música), ganhamos o prémio e ficamos ricos (escrevemos algo). O problema é que nada nos garante que aquela chave volte alguma vez a produzir novamente semelhante efeito. Ninguém sabe como é que se faz um escritor ou um poeta. Sobre isto, há uma passagem do Chestov que é esclarecedora:
(Tradução) Poetae nascuntur - Que maravilhoso é o homem. Não sabendo nada sobre isso, afirma a existência de uma impossibilidade objectiva. Mesmo há pouco tempo, antes da invenção do telefone e telégrafo, os homens teriam afirmado ser impossível na Europa conversar com a América. Agora é possível. Não podemos produzir poetas, por isso, dizemos que é de nascença. Certamente não podemos fazer de uma criança um poeta forçando-o a estudar modelos literários, do mais antigo ao mais moderno. Nem ninguém nos ouvirá na América não importa quão alto gritemos aqui. Para fazer um poeta de um homem, ele não pode ser desenvolvido por caminhos normais. Talvez se deva mantê-lo afastado de livros. Talvez seja seja necessário executar nele uma operação aparentemente perigosa. Fracturar-lhe o crânio ou atirá-lo da janela do quarto andar. Abstenho-me de recomendar estes métodos como um substituto da pedagogia. Não é esse o ponto. Olhemos os grandes homens e os poetas. Excepto John Stuart Mill e alguns outros pensadores positivistas, que tinham pais experientes e mães virtuosas, nenhum dos grandes homens pode orgulhar-se, ou melhor, queixar-se, de uma educação apropriada. Nas suas vidas, quase sempre um papel decisivo foi desempenhado pelo acaso, acidente que a razão tornaria sem sentido, caso a razão pudesse alguma vez desafiar e levantar a sua voz contra o êxito evidente. Algo como uma crânio partido ou uma queda do quarto andar — não de forma metafórica, mas muitas vezes de forma absolutamente literal, comprovou ser o começo, normalmente escondido mas ocasionalmente admitido, da actividade dos génios. Mas repetimos automaticamente: poetae nascuntur, e convencemo-nos profundamente que esta verdade extraordinária é tão alta ele precisa de nenhuma verificação.
Leon Chestov
De qualquer maneira, e para não fazer com que ninguém caia de uma varanda abaixo vou sugerir algo: "Trouble with imnpressionists" com Lou Reed e John Cale, numa homenagem a Andy Warhol:
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